domingo, 26 de junho de 2011

Happy end na Paralela

Este brilhante texto do prof. Paulo Ormindo resume a crença que nos fez criar o movimento "Eu quero VLT em Salvador"/"Salvador sobre Trilhos": a mobilização popular é imprescindível, é o caminho para conquistarmos uma sociedade mais justa e melhor para todos. Somos um movimento cidadão, uma organização da sociedade sem ligações de dependência com políticos, com partidos políticos e empresas. Participe, ainda há muito o que fazer.


Happy end na Paralela
Por Prof Paulo Ormindo.


Mais que analisar a solução apontada para a ligação Acesso Norte - Lauro de Freitas, quero aqui analisar o processo. A primeira lição do episódio é que Salvador já não é a mesma de 2007, quando a Câmara de Vereadores aprovou na calada da noite o PDDU vigente. Apesar de não ter havido audiências públicas, foi intensa a mobilização da sociedade em torno da escolha do sistema de transporte na RMS, através de jornais, blogs, rádios e reuniões promovidas por instituições como Crea-BA ou convocadas por vereadores e deputados estaduais. Esta ação cidadã foi decisiva na definição do modal de mobilidade.


Aquilo que parecia impossível, vencer o poderoso consórcio do BRT, acabou acontecendo. Recorde-se que o projeto do Setps, iniciado em 2003, foi um dos vinte oferecidos por investidores privados e encapados pela prefeitura no pacote Salvador capital mundial. O Setps e a construtora consorciada realizaram o levantamento topográfico da rota e financiaram os estudos preliminares da TTC - Engenharia de Tráfego e Transportes na certeza de ganhar a concessão e impor o BRT como paradigma para a RMS. Para isso publicaram revistas, trouxeram jornalistas, promoveram viagens e investiram em um lobby milionário.


Não se pode ignorar o papel que tiveram movimentos populares como “Salvador sobre Trilhos”, “Eu quero VLT em Salvador”, “A cidade também é nossa”, e “Associação de Ferroviários”. Esta foi uma grande vitória desses movimentos, já que a elite manteve o tradicional silêncio obsequioso, mas haverá de gritar quando não puder mais sair da garagem. O povo não está interessado em eventuais jogos a que não poderá assistir. Ele quer é passar menos tempo dentro de um ônibus com chassi de caminhão superlotado, com curral e torniquete kafkiano. Sua paciência já se esgotou e os protestos, bloqueio de avenida e estações ameaçam repetir o “quebra bonde” de 1930.


Mas não se pode deixar de reconhecer o papel desempenhado por Zezéu Ribeiro. Político hábil, ele tem sabido utilizar estes movimentos para contrabalançar a pressão de poderosos lobbies, como já havia demonstrado ao mudar a localização do porto sul que ameaçava destruir uma das mais sensíveis APAs do Estado. No caso presente, além de fazer ecoar as manifestações contra o péssimo sistema de buzus, explorou as contradições do capitalismo ao abrir o PMI a outros grupos e exibir suas propostas no site da Seplan. Isto destruiria o mito do BRT com única solução possível.


Zezéu pegou o bonde andando e tenta dar tecnicidade a uma secretaria desaparelhada. Mas uma andorinha só não faz verão. É preciso se criar um processo institucional de gestão planejada e participativa. O atropelo desta escolha demonstra que não havia no governo nenhum pensamento sobre a RMS e transporte de massa. Não se sabe como descongestionar a capital, nem como infraestruturar a RMS. Precisamos restaurar a função do planejamento, reduzido pelos políticos a um instrumento, a posteriori, de legitimar decisões autoritárias. Este não é o caso em pauta. De que vale fazer audiências públicas e atualizar pesquisa de origem e destino a esta altura?


A decisão adotada foi acertada, distinguindo vias “troncais”, de transporte de massa sobre trilhos, e vias transversais capilares, operadas por BRT e ônibus comuns. No meu entender, o monotrilho está descartado. Seu impacto visual e difícil acessibilidade a uma plataforma de 35m de altura o desqualifica. O metrô de superfície com pequenos mergulhos nos cruzamentos é perfeitamente viável no prazo estabelecido e atende à exigência da presidente de conclusão do metrô. Ele elimina desapropriações e os 27 viadutos da consorciada do BRT. Os carros do metrô já estão aqui. A grande questão é quem administrará este sistema misto, mas para isso temos tempo.


Em resumo, o episódio da escolha do modal da ligação Acesso Norte – Lauro de Freitas mostrou a força dos movimentos populares e que o planejamento da RMS e da Bahia não pode ficar a mercê da eventual titularidade da Seplan por um técnico competente e íntegro. Deve ser uma política de Estado com quadros idôneos dispostos a ouvir a comunidade, que deveria ser o principal objetivo da política.


Fonte: Jornal A Tarde, 26/06/2011 - Caderno 1, folha 2.


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